Sexo casual em relações comprometidas: Compreender o fenómeno de infidelidade sexual

Estudo Second Love


The Jouranal of Sex ResearchA equipa que levou a cabo este trabalho de pesquisa é composta pelos investigadores David Rodrigues (Instituto Universitário de Lisboa, CIS-IUL), Diniz Lopes (Instituto Universitário de Lisboa, CIS-IUL) e Marco Pereira (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra).

A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do pós-doutoramento do primeiro autor – financiado por uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia – e no âmbito do programa ‘Investigador FCT’ atribuído ao terceiro autor. Estes investigadores trabalham na área da psicologia social e da saúde.

Este trabalho enquadra-se no âmbito do pós-doutoramento do primeiro autor, financiado por uma bolsa da FCT (SFRH/BPD/73528/2010), e no âmbito do programa Investigador FCT atribuído ao terceiro autor (IF/00402/2014).

Contexto

Amostra = 252 pessoas (ambos os sexo) 

Média de idades = 40 anos

Amostra composta por indivíduos que, apesar de estarem envolvidos romanticamente,, registaram-se num site de encontros que está orientado para pessoas comprometidas que estão interessadas em ter encontros sexuais ou virtuais com novas pessoas.

Ao contrário de algumas pesquisas feitas a nível nacional e internacional que de modo geral têm o foco em jovens participantes, esta nova pesquisa portuguesa que é agora apresentada usou uma amostra de adultos com uma média de 40 anos de idade – trata-se de um aspeto relevante para a literatura científica. Por outro lado, ao contrário da maioria dos estudos científicos sobre relações de infidelidade online que procuram examinar as redes sociais, esta nova pesquisa tem a particularidade de focar-se somente num site de relacionamentos orientado para pessoas já comprometidas que procuram novos parceiros.

De forma a envolverem-se na pesquisa, os participantes responderam a um questionário anónimo. Este procedimento teve como objetivo evitar que os participantes dessem respostas enviesadas pelos seus comportamentos sexuais (como seja a sobrevalorização de comportamentos sexuais nos homens ou a subvalorização dos mesmos nas mulheres).

Poucas pesquisas nesta área têm cruzado cruzaram a sociosexualidade* dos indivíduos com o seu compromisso nas relações. Portanto, neste âmbito, o estudo agora apresentado torna-se inovador fazendo precisamente esse cruzamento, examinando pessoas portugueses com e sem filhos, que vivem relações duradouras (a maioria em regime de coabitação) e que, paralelamente, se registaram no site Secondlove.pt

*sociosexualidade = disposição pessoal para ter sexo casual sem ligação afectiva

Resultados (resumo)

imagenA evidência de estudos anteriores revela que os homens mostram níveis menos restritos de sociosexualidade do que as mulheres. Ou seja, mostram uma sociosexualidade mais livre de restrições. Assim sendo, eles mostram maior frequência na masturbação, em fantasias sexuais e acesso a pornografia. Têm maior predisposição para ativarem comportamentos sexuais extra-diádicos** e valorizar a variedade de parceiros sexuais. Contudo, é importante considerar-se que a sociosexualidade dos indivíduos é influenciada por variáveis relacionais e contextuais tais como os papéis sexuais e sociais que se desempenham na sociedade. Daí que, haver uma maior propensão para ter sexo casual (sociosexualidade livre de restrições) não é só por si condição suficiente para que haja infidelidade sexual.

Todos os participantes no estudo mostraram atitudes favoráveis elevadas elevadas relativamente à sua sociosexualidade. Mesmo os que indicaram não ter antecedentes de infidelidade sexual mostraram estar motivados para pagar um registo no site secondlove.pt e, pelo menos, terem experiências de infidelidade online. Esta situação seria menos provável caso os participantes revelassem ter atitudes negativas relativamente a sexo casual.

Os resultados mostraram também que a infidelidade sexual está significativamente associada não apenas ao desejo e a comportamentos sociosexuais livres de restrições, mas também a um menor compromisso para com o seu relacionamento.

Por exemplo: por serem menos comprometidos nas relações, indivíduos com antecedentes de infidelidade sexual perceberam comportamentos ambíguos (como conversar na internet) ou enganadores (mentir ou reter informação) como não sendo, tendencialmente, indicadores de infidelidade, possivelmente porque eles próprios os praticam. Pelo contrário, aqueles indivíduos que não têm antecedentes de infidelidade sexual mostraram-se mais comprometidos nas relações e consideram comportamentos explícitos como altamente indicativos de infidelidade, assim como os comportamentos ambíguos e enganadores.

Independentemente de ter havido infidelidade sexual, os participantes consideram determinados comportamentos explícitos (ter encontros ou fazer sexo oral) como mais indicativos de infidelidade. Isto é mais verdade em indivíduos sem antecedentes de infidelidade sexual. Por outro lado, parece que indivíduos com casos passados de infidelidade têm uma visão maleável da infidelidade, na tentativa de lidarem com o seu próprio comportamento, legitimando-o para enfrentarem potenciais consequências.

Segundo os resultados, ingressar em infidelidade sexual pode ser um caso de compromisso ou falta dele. O compromisso pode ajudar os indivíduos a evitar envolverem-se em relações extra-diádicas.

Estes resultados são importantes não só para a academia, no sentido de se compreender melhor este fenómeno, mas também para psicólogos, no sentido de poder vir a ajudar a criação de programas de intervenção que reforcem o compromisso, previnam a infidelidade e resolvam conflitos pós-infidelidade.

** Comportamento sexual extra-diádico: comportamento sexual com uma pessoa que não o parceiro amoroso.


interview-iconEntrevista ao investigador David Rodrigues

Por que razão decidiu investigar a infidelidade sexual estudando exclusivamente o site de encontros Second Love (e não o cruzamento de vários sites e/ou redes sociais)?

 Este estudo partiu de uma ideia em analisar o fenómeno da infidelidade recorrendo a uma plataforma online especificamente dirigida a pessoas que estão num relacionamento amoroso, o site Second Love. Estudou-se um conjunto de pessoas que estava inscrita no site com um objetivo mais específico do que simplesmente conhecer pessoas, como acontece eventualmente noutros sites de encontros ou redes sociais. A equipa do Second Love mostrou-se totalmente disponível para colaborar com a nossa pesquisa desde que fizemos o contacto inicial e nem sequer pensámos duas vezes em avançar com este estudo.

Os resultados desta investigação trouxeram algum dado novo ou surpreendente? Ou vieram reforçaram dados obtidos anteriormente?

Sendo que pouca ou nenhuma investigação deste género foi feita em Portugal, mais ainda estudando um site específico como o secondlove.pt, os dados que apresentamos agora são inovadores e permitem-nos reforçar algumas evidências que já existem na literatura científica sobre infidelidade. Os dados mais surpreendentes que foram obtidos dizem respeito ao facto de que a infidelidade sexual não se trata apenas de uma questão de desejo, mas também do compromisso que as pessoas têm para com a sua relação. Outro dado bastante interessante é o facto de que, mesmo estando inscritas no site, pessoas que já foram sexualmente infiéis consideram comportamentos ambíguos (como falar na internet com outras pessoas) como menos indicativos de infidelidade na relação, quando comparadas com pessoas que não foram infiéis. Talvez seja uma estratégia adotada para justificarem o seu próprio comportamento.

No quadro internacional da investigação desenvolvida nesta área (seja em doutoramentos ou pós-doutoramentos), que impacto terá a vossa pesquisa? Porquê?

Esperamos sempre que a nossa pesquisa influencie ou inspire outros investigadores a examinarem um determinado fenómeno. Da nossa parte, esta pesquisa constitui-se como o início de um conjunto de estudos que permitem compreender melhor o que pode motivar as pessoas a inscreverem-se no secondlove.pt e a serem infiéis. Um aspeto interessante a analisar mais detalhadamente é que, apesar da maioria da nossa amostra se ter inscrito individualmente no site, alguns dos nossos participantes indicaram ter-se inscrito enquanto casal. Este é um bom ponto de partida para compreender como o sexo com outras pessoas é vivenciado em casais que se inscrevem em conjunto. Será percebido como infidelidade? Quais serão as consequências para a relação? Claro que estes resultados têm de ter em consideração um conjunto de fatores e não podem ser diretamente extrapolados para a população em geral. Trata-se de evidência específica para este conjunto de pessoas que poderá, ou não, ter paralelos com o fenómeno que existe para além do mundo virtual. Do que conhecemos, podemos dizer que há algum paralelismo, mas a investigação tem de continuar.

Pode resumir em duas ou três frases o comportamento sexual das pessoas que, em Portugal, usam o site Second Love? Como as definiria?

Com base nos resultados que obtivemos, as pessoas que usam o secondlove.pt em Portugal estão numa faixa etária à volta dos 40 anos e casadas. Ainda que a maioria da nossa amostra tenha sido constituída por homens, não se verificaram diferenças entre homens e mulheres num conjunto de variáveis, tais como estatuto da relação, filhos, religião ou escolaridade. Encontrámos, sim, diferenças ao nível das razões apontadas para se inscreverem no site. Enquanto que os homens indicaram que procuravam sexo casual, as mulheres indicaram procurar conhecer pessoas. Isto pode refletir, por um lado, o facto de homens e mulheres se diferenciarem em termos de comportamento sexual transmitido por normas e papéis sociais, ou por outro lado o facto de que os homens tendem a ser sexualmente infiéis enquanto as mulheres tendem a ser emocionalmente infiéis.

A sua investigação anterior, o doutoramento, foi dedicada a que tema em particular?

O meu doutoramento foi dedicado ao fenómeno de atração inicial por pessoas que desconhecemos. Aquela sensação que temos quando olhamos para alguém e, por alguma razão, dá-se um clique, um interesse em conhecer outra pessoa. Este foi o ponto de partida para continuar a estudar relacionamentos interpessoais, mais especificamente um conjunto de trabalhos focados em relacionamentos amorosos que conduzo atualmente no meu pós-doutoramento. Alguns dos aspetos estudados no doutoramento são bastante úteis para compreender o fenómeno de infidelidade

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